quinta-feira, 24 de maio de 2007

Ao meu velhote!


Faz esta semana 4 anos desde que o meu avô Amadeu morreu, o galã dos anos 40 que até entrou como figurante na “Canção de Lisboa”. Vestia-se de Paletó, calça e chapéu claros. fazia furor junto das pacientes que, segundo contava, inventavam um certo mal-estar para serem observadas pelo borracho. Ah pois é! Foi médico de bordo nas travessias para África, e até as nativas se rendiam aos seus encantos. Terei tios e primos desconhecidos?! Quando o questionava sobre essa hipótese, respondia com ar matreiro - “na, nada disso, eu sabia fazer as coisas”. Mais nada meus amigos, quem sabe, sabe!
Se em novo vestia bem e cuidava da sua imagem, já por altura das rugas e dos cabelos brancos, guardava a roupa e o calçado novo para depois…ou seja, nunca. Usava sapatos com mais de trinta anos, aqueles é que eram bons, de forma – “Agora já não há disto” – dizia decepcionado com a qualidade das peças dos dias de hoje, feitas para durarem pouco, muito pouco. Vivia sobretudo para três coisas: namorar, trabalhar e amealhar. Só não guardava o dinheiro no colchão com receio de ser roubado. Acordava às seis da manhã, bebia um copo de água, mais tarde tomava o pequeno-almoço, dava o seu giro matinal e dois dedos de conversa, comprava o jornal e distribuía migalhas pelos pombos. De regresso ao andar de Paço D’Arcos, de um lado a casa e do outro a clínica, entre um doente e outro, preparava o almoço para as onze.
“Isto hoje a fruta e os legumes já não sabem a nada, parece que estamos a beber água… agora vem tudo da CEE!” – refilava. Por isso, quando passava por Cabaços, onde viveu em tenra idade e onde ainda hoje existe a sua velha casa, daquelas de grandes alpendres e “lojas” (onde se guardava o gado e os cereais e se fazia azeite), aproveitava para encher o seu velho e verde Audi (homenagem ao Sporting) de legumes, fruta, queijo, aguardente e azeite. Coincidência ou não, sempre que lá ia levava a chuva consigo. Os caseiros brincavam “Quando o Sô Doutor vem cá é uma maravilha, nem precisamos de regar”. Era sempre bom tê-lo por lá, aparecia sempre um ou outro vizinho, de poucas posses e cansado das esperas e do mau atendimento do centro de saúde, a pedir uma receita, um medicamento ou uma observação. Ele, claro, sentia-se feliz de os ajudar, e eles, em troca, faziam gosto em oferecer-lhe uma galinha, um coelho ou uma dúzia de ovos. Adorava tirar as laranjas, os figos e os peros bravos esmolfe directamente da árvore e deliciar-se com o verdadeiro sabor da fruta. “Isto sim, sabe a terra! E os melhores são os que têm bicho”. Nunca me convenceu com aquela teoria.
Tinha sempre muitas e engraçadas histórias, eram sempre as mesmas mas eu não me cansava de as ouvir. Sobretudo quando fazia frio lá fora e se acendia a lareira da velha cozinha, outrora palco de grandes cozinhados e iguarias.
Achava piada à história que tinha como personagem principal o meu bisavô. Era Guarda-fiscal e de vez em quando, bebia uns copitos a mais e, já com dificuldade em caminhar, montava no seu amigo e companheiro burro que era quem o devolvia a casa sem pestanejar.
Também gostava de o ouvir falar sobre a mãe, a Dona Maria, a quem na aldeia apelidavam de “a Senhora do Vale”, parece que era célebre por dar de comer e beber a quem passava.
Por último, ficam as recordações dos tempos em que passávamos ceias a jogar ao monopólio, jogo que fazia questão em ganhar. :)
Um beijinho velhote!

3 comentários:

Rita disse...

a falta q um avô faz n é ritita?
: (

Anónimo disse...

Achei o texto delicioso! Como já te disse, fez-me lembrar a escrita da Allende, que tanto aprecio. Conseguiste transportar-me para tempos de outrora! Obrigada! ;)
Cat

Maria João Rodrigues disse...

Gostei muito do teu texto...tem um bocadinho de todos nós. Também tenho muitas saudades dos meus avôs e de ouvir as suas histórias.Ficam as memórias que dão tão boas, nos fazem sorrir.